domingo, 12 de julho de 2009

Trabalho de Linguística III

ABORDAGENS DA LÍNGUA FALADA EM LIVROS DIDÁTICOS

Luana Iensen Gonçalves

A língua portuguesa não é e nunca foi homogênea. Tanto na oralidade quanto na escrita, a variação linguística pode ser observada, entretanto, no português falado, salienta-se a maior diversidade de usos e aceitação desses usos. O português falado no Brasil pode variar de acordo com a localização das comunidades, com as situações socioeconômicas dos falantes, pode até sofrer mudanças de pessoa para pessoa, dependendo da profissão, ou mesmo, formação profissional do falante. Bagno (2002) defende que é um mito prejudicial ao contexto escolar crer que a língua falada apresenta uma unidade, porque

(...) ao não reconhecer a verdadeira diversidade do português falado no Brasil, a escola tenta impor sua norma linguística como se ela fosse, de fato, a língua comum a todos os 160 milhões de brasileiros, independentemente de sua idade, de sua origem geográfica, de sua situação socioeconômica, de seu grau de escolarização etc. (p.15).

Dentro dessa perspectiva, os livros didáticos, como instrumentos de propagação de conhecimento, devem registrar e respeitar as diversidades linguísticas que existem em nosso país; devem, então, reconhecer a necessária alusão à oralidade, superando as barreiras impostas pelo ensino, quando esse se revela predominantemente gramaticalista e formal.
O uso de livros didáticos em sala de aula é quase uma regra das práticas pedagógicas das instituições de ensino. Por vezes, esses manuais não são completos, mas, por uma questão de terem sido escolhidos pela escola, devem ser “devorados” pelos alunos. É de grande importância que esses livros tragam conceitos e explicações aos alunos referentes às variedades linguísticas do português e que o professor saiba explicar as diferenças entre a língua escrita e a falada, já que “escrever nunca foi e nunca será a mesma coisa que falar” (GNERRE, 1998, p.08). Esses códigos da língua compreendem a realização de operações distintas, embora a origem (mente humana) e a finalidade (interação) possam ser comuns.
O livro didático Português em outras palavras, de Maria Gonçalves e Rosana Rios (1997), destinado a 7ª série do Ensino Fundamental, apresenta um trabalho com a língua falada a ser transcrita para o papel (escrita padrão). As atividades propostas pelas autoras promovem o trabalho de transposição dos códigos, pois pedem que os alunos troquem as marcas da oralidade das frases, por expressões da norma culta. Com a habilidade do professor, essa proposta pode, perfeitamente, ser motivadora de debates sobre os códigos da língua, serve, portanto, de um despertar para o fato de que a língua falada merece um espaço de discussão em sala de aula.
Outro manual didático observado foi o livro Português, de João Domingues Maia (2003), destinado ao Ensino Médio. Por meio da análise desta obra, constatou-se que o tema variedade linguística é abordado de maneira eficaz. O livro é dividido em 49 unidades que exploram a língua portuguesa, a literatura e a produção textual. As três primeiras unidades são destinadas as variedades linguísticas. A unidade um (01), intitulada a língua e suas variedades, apresenta textos teóricos referentes as variedades linguísticas do português. Segundo Maia (2003, p.12), “além das variações regionais, a língua varia conforme a época, a classe social, o nível de instrução, a faixa etária, a situação de comunicação, etc”, e explica, ainda, que as variações dependem do falante ou da situação de comunicação, e do registro (variação condicionada pela formalidade existente na situação da fala ou escrita). O autor utiliza, também, outros exemplos, como a gíria, o jargão e o calão. Apresenta pequenos textos sobre as variedades cultas, a linguagem oral e escrita, sobre o preconceito linguístico e o porque de estudar a língua padrão. Na unidade 02, comunicação e expressão, encontram-se os elementos da comunicação, sendo a língua seu principal meio de propagação. Na unidade 03, linguagem, língua, fala e discurso, Maia (2003) faz uma síntese das unidades anteriores e traz algumas definições de linguagem, língua, fala e discurso. Ao final de cada unidade há exercícios de fixação. Esse livro didático registra os principais conceitos sobre a linguagem e enfatiza a língua como um conjunto de variedades; no dizer de Bagno (2006) a língua como um “balaio de gatos”, repleta, pois, de variações.
Percebe-se que o livro didático deve ser observado como uma ferramenta de trabalho, oportunizando ao professor subsídios satisfatórios para aplicar em suas aulas. Com livros didáticos que abordem a língua falada e suas variações, caberá ao professor, alunos e comunidade escolar,

aceitar a idéia de que não existe erro de português. Existem diferenças de uso ou alternativas de uso em relação à regra única proposta pela gramática normativa. Não confundir erro de português (que, afinal, não existe) com simples erro de ortografia. A ortografia é artificial, ao contrario da língua, que é natural. (...) Reconhecer que tudo que a Gramática tradicional chama de erro é na verdade um fenômeno que tem uma explicação cientifica perfeitamente demonstrável. (...) e, respeitar a variedade linguística de toda e qualquer pessoa, pois isso equivale a respeitar a integridade física e espiritual dessa pessoa como ser humano (BAGNO, 2002, p.142,143 e 144).

Nesse sentido, os livros devem trabalhar com a variedade linguística existente no Brasil, para dar mais chances aos alunos de terem uma formação como cidadãos conscientes do mundo em que vivem e com um maior respeito diante da grande diversidade da língua falada – o que não implica em descuidar da norma padrão e, sim, em não considerá-la a única correta; acrescenta Bagno (2006) que todos os professores são professores de língua, pois utilizam dela como meio de transmissão de conteúdos. Assim, a transformação de como “encarar” as variedades não padrão tem que ser feita por todos os professores.
Por fim, caberá, então ao professor utilizar-se da criatividade para instigar discussões sobre a língua falada e a língua escrita com os alunos em sala de aula e na comunidade. Ele deverá encaminhar os mesmos ao conhecimento e divulgar referenciais teóricos extras para uma melhor compreensão da diversidade da língua portuguesa. É evidente que esse posicionamento diante da língua implica em uma forma de não discriminar as diferentes expressões linguísticas, sejam elas variedades de prestígio social ou variações ligadas ao uso corrente.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAGNO, Marcos. A língua de Eulália. São Paulo. Contexto, 2006.
____ . Preconceito linguístico. São Paulo: Editora Loyola, 2002.
GNERRE, M. Linguagem, escrita e poder. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
GONÇALVES, Maria Silvia; RIOS, Rosana. Português em outras palavras – 7°série. São Paulo: Scipione, 1997.
MAIA, João Domingues. Português – vol. único. São Paulo: Ática,2003.
Trabalho para disciplina de Linguística III, sob a orientação da profª Célia Della Méa

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