domingo, 29 de março de 2015

Literatura: arte das plurissignificações


A Literatura se configura uma arte plurissignificativa porque permite múltiplas interpretações.
A subjetividade da Literatura imprime essa possibilidade de várias interpretações de mesmo texto. Ou, ainda, da possibilidade de diferentes sensações que um texto pode exprimir no leitor: riso, alegria, tristeza, paixão, indiferença...
Para tentarmos explorarmos a multiplicidade significativa, ou seja, a busca pelo uso da palavra em seus vários significados, leiamos o trecho do poema Procura da poesia:
Procura da poesia
Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.
Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escuro
são indiferentes.
[...]
Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?
Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.
Carlos Drummond de Andrade

O próprio poema já expressa: “Chega mais perto e contempla as palavras. / Cada uma / tem mil faces secretas sob a face neutra [...]”, se as palavras não tivessem essa face neutra, de que fala Drummond, talvez a Literatura não pudesse ser considerada uma arte... A ideia é que essas mil faces (ainda que pareça hiperbólico demais para você) são as diversas possibilidades de significações de uma palavra conforme o contexto usado. Se você não compreendeu essa hipérbole, é porque, talvez,  ainda não descobriu o verdadeiro sentido da arte da palavra propriamente dita.

Observe ainda estes outros versos:
Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.

            Os poemas, as palavras estão “em estado de dicionário”, mas estão assim porque esperam ser escritos, pois quando materializados no papel, ganham novas significações. Esses versos ainda nos reforçam o pensamento sobre uso do sentido conotativo, por isso o contexto usado por cada escritor influencia no entendimento final do texto.
E que nem tudo é encontrado explicitamente no texto. É preciso ler as entrelinhas. A subjetivação muitas vezes é expressa justamente por figuras de linguagem, o que requer uma maior atenção do leitor.
Esse é o ponto essencial aqui discutido: quanto mais abordagens, quanto mais subjetivo, quanto mais conotativo, mais plurissignificativa será essa arte, maior amplitude de interpretações teremos.


Professora Luana Iensen

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